segunda-feira, 31 de março de 2008

Ai ai...

Moreno ele era, e embora não fosse tão alto, bonito ou sensual como o cara da música, tinha algo de fascinante naquele moço, que era o sonho de consumo de muitas meninas. Não era exatamente lindo, mas tinha lá o seu charme e um sorriso malicioso. Trabalhava na loja favorita das adolescentes da cidade, e talvez por isso fizesse tanto sucesso com essa faixa etária. Talvez fosse o estilo garotão, apesar de já ser mais velho. Surfista, descompromissado, aparecia com uma mulher diferente a cada dia, e isso enchia de fantasias o seu fã-clube juvenil. Sim, ele tinha um fã-clube. Eram admiradoras fiéis, que se reuniam num apartamento no prédio vizinho ao dele para ver como era seu cotidiano. Quase um reality show.

Sua vida era acompanhada de perto pelas jovens apaixonadas. Todas sabiam seus horários de dormir, acordar, comer, ir trabalhar, jogar futebol, andar de bicicleta, surfar, ir à faculdade... e iam além. Faziam amizade com porteiros, empregadas, parentes, sobrinhos ou qualquer outra pessoa que pudesse dar informações preciosas sobre ele. Depois de um minucioso trabalho de investigação, já se sabia o que ele gostava de comer, o perfume que usava, sua preferência musical e até algumas manias. E isso gerava ainda mais ilusões, é claro.

À medida que as meninas iam crescendo, aquele amor platônico dava espaço a sentimentos mais reais. E os relacionamentos adultos trazem um pouco de sofrimento, algumas complicações, desilusões e tantas outras coisas que só a convivência proporciona. E o que era uma paixão avassaladora, vira a boa lembrança de um tempo em que gostar era tão fácil, tão bom e cheio de suspiros, que o moço nem precisava corresponder...


quinta-feira, 27 de março de 2008

Seu Gilvando*, Porteiro e Filósofo.

Ele foi porteiro do mesmo edifício por uns 20 anos. Moreno, meio cinzento, usava umas camisas estampadas e brilhantes, que devem ter sido moda lá pelos anos 70, e só as abotoava até a metade, deixando à mostra em seu peito uma grossa corrente dourada e um crucifixo. Seu visual extravagante incluía um relógio prateado, folgado naquele braço fino, e uma prótese dentária que costumava tirar quando queria mandar as crianças pra bem longe da sua portaria.
Seu Gilvando parecia um gigolô decadente, tinha cara de bêbado, e cheiro também. Tinha uma estranha mania de enfeitar todos os diálogos com um indecifrável “Ossôishiah”, o que quer que fosse perguntado a ele, sempre vinha esse tal “Ossôishiah” no começo ou final da resposta... e ai de quem perguntasse o significado dessa expressão, a resposta para isso era a tal prótese pra lá e pra cá dentro da boca aberta.
Quando trabalhava no turno da noite, trocava a cadeira da portaria por uma de praia. Pra ficar mais confortável, sabe? E o conforto era tanto que dormia. Mas dormia segurando uma chave de fenda, pra se defender, não de eventuais invasores, ladrões ou coisa do tipo, e sim dos moradores que chegavam de madrugada e tinham que ficar fazendo malabarismos do lado de fora do portão pra acordá-lo, e quando conseguiam, perguntavam irritados: “Tava dormindo, Seu Gilvando?”. Com cara de sono e olhos arregalados, ele logo sacava sua chave de fenda pra se defender: “Ossôishiah, de jeito nenhum, tava consertando um negócio aqui por baixo, eu tô aqui é pra trabalhar!”.
E se o morador falasse do cheiro de álcool no ambiente, sem pestanejar, seu Gilvando disparava: “Ossoishiah, não é álcool não, é querosene! Eu tava consertando uma lamparina aqui e derramei sem querer.”
Figura lendária, Seu Gilvando. Um mestre que ensinou aos moradores do prédio como responder aos mais profundos e difíceis questionamentos. Em caso de emergência: “Ossôishiah”.


* O nome foi mudado para manter a integridade de Seu Gilvando, onde quer que ele esteja consertando suas lamparinas imaginárias.

(Texto escrito em Julho de 2006, em um dos tantos blogs que já tive.)

Dúvida.

O que é que a gente faz com o medo, hein?

É segredo: eu gosto de chuva, mas morro de medo dela.




...

terça-feira, 25 de março de 2008

Eric talvez não saiba...

... mas seu avô tem um problema auditivo.

E eu também. Só que como o avô de Eric já usa um aparelho do Centro Auditivo Telex, não passa por situações como essa:

- Um chope, por favor.
- ...... ou ......? (eu entendi: Kaiser ou Skol?)
- Hum... sei lá, Skol. (não era pra mim)
- Não, senhora, nós só trabalhamos com a Kaiser.
- Hein? E por que perguntou se era Kaiser ou Skol?
- Não, não, eu perguntei se era claro ou escuro.
- Ah, sim. Claro mesmo, então.

Velha Surda d'A Praça é Nossa é para os fracos.


Psicólogos, aceito opiniões.

Lá estávamos, um velho amigo muito querido e eu, sentados num sofá superconfortável, vendo um filme na TV. Mas isso era no meio da praça de alimentação de um shopping, e as pessoas comiam, conversavam e faziam barulho normalmente. Acho até que tinha um cantor, um banquinho e um violão naquele palquinho. Tudo na maior harmonia até que de repente, todo mundo levantou desesperado e começou a correr em todas as direções. O que era aquilo? Um arrastão do Aloha PIS*? Não... era pior.

Um bando de Tuaregues em seus cavalos invadindo o shopping! Eu rapidamente me escondi atrás do sofá (porque nunca se sabe o que esperar de um Tuareg, né?), e lembro perfeitamente de ver o reflexo de cada um deles no chão lustroso. Eu nem devia ter olhado, porque um deles impiedosamente pegou sua espada Hattori Hanzo, e decapitou o meu amigo. Aí acordei com o coração batendo na boca.

Quase sempre o que eu sonho é muito, mas muito doido. Geralmente são pesadelos sem pé nem cabeça, que me fazem acordar ansiosa (e mal-humorada, às vezes), mas rendem boas risadas em mesas de bar, assim como minha dificuldade auditiva. Mas isso já é uma outra história...


* Pra quem não mora em Aracaju (tsc tsc, como se alguém fosse ler isso...): O Aloha PIS (Penetras Imbatíveis de Sergipe) era uma gangue de adolescentes de classe média-alta, que começou quando eles decidiram invadir e bagunçar as festas de 15 anos mais badaladas da cidade. Depois passaram a fazer badernas em outros eventos, além, é claro de tocarem o terror no Shopping Jardins. Uns malacas!

sábado, 22 de março de 2008

Sábado de Aleluia

Meu Caro,

Hoje desisti de lutar por sua causa. Você sempre me avisou que não prestava, mas achei que de tão sozinho, você tinha desaprendido a se relacionar com as pessoas, e por isso fosse tão frio, tão distante, tão insensível.

Juro que tive boa vontade e a melhor das intenções. Realmente esperava que isso fosse percebido, mas se você não se deu nem o respeito, nem o valor (que parece que só eu via em você), como é que poderia entender um sentimento tão nobre?

Você diz que sua vida é complicada demais, mas se contenta em apenas lamentar, sem tomar nenhuma atitude pra mudar nada. Eu sei que mudar é difícil, e às vezes nem depende só de nós, mas tentar já é um bom começo. E você nem tenta.

Minhas palavras nunca lhe serviram, meu silêncio muito menos. É burrice se esforçar em vão, e eu não saberia conviver por muito mais tempo com essa sua apatia sem oferecer ajuda, portanto, vou simplesmente me livrar de você.

Desculpe, Judas, mas hoje eu vou lhe queimar. E sabe do que mais? Nem quero ler seu testamento. Simplesmente não vou mais perder tempo com você.