quinta-feira, 27 de março de 2008

Seu Gilvando*, Porteiro e Filósofo.

Ele foi porteiro do mesmo edifício por uns 20 anos. Moreno, meio cinzento, usava umas camisas estampadas e brilhantes, que devem ter sido moda lá pelos anos 70, e só as abotoava até a metade, deixando à mostra em seu peito uma grossa corrente dourada e um crucifixo. Seu visual extravagante incluía um relógio prateado, folgado naquele braço fino, e uma prótese dentária que costumava tirar quando queria mandar as crianças pra bem longe da sua portaria.
Seu Gilvando parecia um gigolô decadente, tinha cara de bêbado, e cheiro também. Tinha uma estranha mania de enfeitar todos os diálogos com um indecifrável “Ossôishiah”, o que quer que fosse perguntado a ele, sempre vinha esse tal “Ossôishiah” no começo ou final da resposta... e ai de quem perguntasse o significado dessa expressão, a resposta para isso era a tal prótese pra lá e pra cá dentro da boca aberta.
Quando trabalhava no turno da noite, trocava a cadeira da portaria por uma de praia. Pra ficar mais confortável, sabe? E o conforto era tanto que dormia. Mas dormia segurando uma chave de fenda, pra se defender, não de eventuais invasores, ladrões ou coisa do tipo, e sim dos moradores que chegavam de madrugada e tinham que ficar fazendo malabarismos do lado de fora do portão pra acordá-lo, e quando conseguiam, perguntavam irritados: “Tava dormindo, Seu Gilvando?”. Com cara de sono e olhos arregalados, ele logo sacava sua chave de fenda pra se defender: “Ossôishiah, de jeito nenhum, tava consertando um negócio aqui por baixo, eu tô aqui é pra trabalhar!”.
E se o morador falasse do cheiro de álcool no ambiente, sem pestanejar, seu Gilvando disparava: “Ossoishiah, não é álcool não, é querosene! Eu tava consertando uma lamparina aqui e derramei sem querer.”
Figura lendária, Seu Gilvando. Um mestre que ensinou aos moradores do prédio como responder aos mais profundos e difíceis questionamentos. Em caso de emergência: “Ossôishiah”.


* O nome foi mudado para manter a integridade de Seu Gilvando, onde quer que ele esteja consertando suas lamparinas imaginárias.

(Texto escrito em Julho de 2006, em um dos tantos blogs que já tive.)

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