sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Meio e Fim

O alarme já tocava no volume máximo. Ela havia dormido demais. Acordou num sobressalto, desceu da cama com o pé esquerdo, e quando se deu conta disso já era tarde pra tentar consertar. Abriu as cortinas e o sol lhe ofuscou os olhos, que ardiam, talvez por ter passado muito tempo no escuro, ou por ter chorado demais antes de dormir. Atrasada, correu pro banho, no caminho, tropeçou num chinelo e bateu o cotovelo na quina da porta. Apressada, passou o condicionador no lugar do shampoo. Perdeu mais tempo ainda. Escovou os dentes mas errou na força e no jeito, bateu a escova forte demais na gengiva, que imediatamente sangrou. Respirou fundo. Não adiantava mais correr, já estava atrasada mesmo. Foi tomar um iogurte antes de sair de casa, tomou metade num gole, e só aí sentiu um gosto estranho, estava fora da validade. Mais uma vez, tarde demais pra tomar uma atitude, começou a torcer pra não passar mal. Correu e conseguiu pegar o elevador, mas a porta bateu com a chave ainda dentro. A porta não abria por fora, o jeito era chamar um chaveiro mais tarde. Mais tarde, porque agora tinha que ir trabalhar. O elevador enguiçou. O zelador chegou em 10 minutos, até rápido, mas ela teve que descer os 11 andares de escada.
Pegou um ônibus cheio, e foi. Chegou à repartição em que trabalhava, e viu tudo fechado. Perguntou ao segurança o que havia acontecido. O time da pequena cidade foi campeão, o prefeito decretou feriado pra população comemorar. Lamentou ter passado a noite chorando, sem ligar a televisão. Se ela tivesse amigos, certamente um deles ligaria pra avisar, ou pra chamá-la pra sair e comemorar a tal vitória. Mas não era o caso, ela não tinha amigos. Foi andando até o ponto de ônibus, e só aí se deu conta da quantidade de gente com a camisa do time pelas ruas. O ponto ficava ao lado de uma banca de revistas, e enquanto esperava pra voltar pra casa, folheava uma revista de horóscopo. Aproveitou pra ler o que os astros previam para seu signo. Felicidade plena, momentos de descontração, realização profissional, um grande amor e sorte no jogo. Este deveria ser o momento dela, o astral dizia que seria um excelente mês para os aquarianos. Fechou a revista, subiu no ônibus e voltou pra casa.
O elevador ainda estava quebrado. Começou a subir as escadas já com preguiça. Lá pelo sétimo andar, lembrou que precisaria chamar um chaveiro, mas não tinha o telefone de nenhum. Desceu, pediu ao porteiro que lhe conseguisse um. Subiu as escadas e esperou mais de uma hora pelo rapaz, sentada no chão do corredor. Quando ele chegou, o elevador já funcionava normalmente.
Em questão de minutos, uma chave nova estava pronta, e ela entrava em casa sem um real na bolsa. O serviço custou o dobro do que deveria, afinal, era feriado. Tentou voltar a dormir, em vão. Ligou a televisão, foi até a cozinha, pegou um copo de suco, uns biscoitos, e na volta, tropeçou no tapete da sala. Como não poderia deixar de ser, o suco acabou caindo na televisão que pifou em poucos segundos. Nada mais previsível para aquele dia.
Desistiu de comer, e não sabia mais o que fazer. A culpa era do pé esquerdo, só podia ser.
Sem amigos, sem televisão, não sabia como ocuparia o resto daquele dia que estava só começando. Lembrou que tinha uns livros juntando poeira na estante, resolveu espaná-los pra ter o que fazer. Como era de se esperar, um deles - o mais pesado - caiu. Bateu primeiro na cabeça, depois no pé. Desistiu. Aquele realmente não era um bom dia. O mês começou mal. Aquilo estava muito errado, afinal, ela era aquariana! Começou a imaginar o que mais poderia acontecer dali pra frente. Começou a encher a banheira, enquanto procurava aquele remédio pra enxaqueca, que baixava a pressão e dava sonolência. Era do que ela estava precisando.
Entrou na banheira cheia e tomou duas caixas do remédio. Se a tendência era piorar, resolveu cortar caminho. Enquanto esperava, pensava se morreria por causa dos remédios ou afogada. Pensava quanto tempo levaria pra alguém notar sua falta. Seria o porteiro? Algum colega? O caixa da padaria? Aos poucos os pensamentos foram se perdendo na escuridão, e antes de morrer, achou engraçado não ter visto o tal filme que dizem que passa na cabeça das pessoas quando estão morrendo. Pensou que se tivesse saído da cama com o pé direito talvez o filme passasse e ela conseguisse lembrar de alguma coisa interessante... mas agora já era tarde demais. A última coisa que passou por sua cabeça foi que o começo de sua história nunca seria conhecido. Não que alguém fosse se interessar, mas...


quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Vendo por outro ângulo.






Uma possibilidade otimista, é verdade.
Mas nenhuma hipótese deve ser descartada.
Principalmente quando o objetivo é se livrar daquele monte de interrogações que insistem em permanecer nos seus pensamentos.

Né?

domingo, 19 de outubro de 2008

Descobertas

Você descobre que quer muito uma coisa. Depois descobre que não pode ter. Mas sonha, tenta, insiste, mostra que é brasileiro, não desiste nunca. Faça chuva ou faça sol. Você descobre que é uma tarefa mais complicada do que imaginou. Do que qualquer pessoa poderia imaginar. Aí você pensa duas vezes, mas toma fôlego e vai em frente. Tempos depois vê que isso só parece impossível pra você. Descobre que um monte de gente já teve. E que muita gente ainda vai ter. Aí você descobre que as coisas não dependem de você. Descobre que perdeu tempo. E torce pra perder a empolgação. Mas não perde. Descobre que às vezes é melhor calar. E esperar. Descobre que a esperança é mesmo a última que morre. É melhor começar a pensar num jeito de descobrir como se mata essa tal esperança.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Insônia

Dormir é quase sempre complicado. A combinação sono+cama não é o suficiente. Existe a ansiedade, que não é pouca. E a hiperatividade, que de vez em quando resolve aparecer. E o calor? Mesmo que só você sinta esse calor, um banho gelado deve resolver. Pena que banho gelado desperta, a água tem que estar morna, como o médico já recomendou... dilata os vasos, e você relaxa. Você, não eu. Ah, contar carneirinhos pode ser a solução, mas eu simplesmente não consigo imaginar carneiros pulando cercas, aliás, carneiro pula? Não é cabrito que pula? Ou as ovelhas que a gente tem que imaginar são aquelas de desenho animado? Esqueça as ovelhas. Leite morno, que tal? Não gosto de leite, então pra mim não serve também.
Exercício de respiração. Um professor de Botânica já me ensinou o passo a passo: escuro, silêncio, inspirar fundo, expirar devagar, e se concentrar apenas no ar que entra e sai dos pulmões. Sem condições, quanto mais eu respiro, mais tensa fico porque ainda não consegui dormir. Televisão! Claro, como eu não pensei nisso antes? Uma pena eu não gostar de televisão, e uma pena maior ainda é o meu controle remoto estar quebrado há mais de um ano. Quem vai levantar da cama pra zapear de madrugada? Deixe pra lá.

Um chá de camomila? Maravilha! E o efeito? Nenhum. Voltamos à estaca zero. Ok, são 3 da manhã. Que tal ler? Ah, a essa altura não tem mais como conseguir me concentrar no texto. Que calor é esse? O vento frio que entra pela janela está desviando de mim. Por falar em vento, a essa hora até o ruído do ventilador de teto chama a atenção, e dá um certo nervosismo.

Não tem ninguém no msn. Absolutamente ninguém. Também não dá pra ficar lendo notícias, a atenção foi embora. Na caixa de entrada, 38 e-mails esperam resposta. Você vai responder? Porque eu só responderei amanhã. De mau humor, logicamente. O despertador vai tocar às 7:30. Quanto tempo eu tenho pra dormir? Nem contar eu sei mais.

Será que eu não podia ter pensado nesse monte de coisas durante todas as outras horas que o dia teve? Por que é que todas resolveram aparecer justamente quando eu queria dormir? Ok, já consegui perder uns minutinhos escrevendo. Não que vá sair algo que preste, mas já é bem melhor que ficar na cama esperando a boa vontade dos pensamentos irem embora.

Começo a achar que vai ser difícil o negócio hoje. Cadê aquele Lexotan de emergência? Acabou há tempos. É, dormir tá ficando complicado mesmo.

Opa, um bocejo! Bom sinal, bom sinal. Agora é correr pra cama e tentar conseguir 4 horinhas de sono (o cálculo demorou, mas saiu!!). Quer dizer... correr não, que aumenta a adrenalina. Vou beeeeeem devagar!



quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O que é bom fica

Algumas pessoas chegam em nossa vida simplesmente pra fazer figuração, outras pra fazer companhia, pra dar risada, dar a mão quando precisamos... e umas poucas chegam pra ensinar. E eu não estou falando daquelas pessoas que sempre têm uma opinião formada sobre tudo, desde o acasalamento de chinchilas até as regras de conduta da NASA. Tô falando de gente que nos ensina as coisas sem perceber.
Hoje estive comprando coisas para o aniversário do meu afilhado. Balas, jujubas, pirulitos e essas besteirinhas. Na saída da loja, um menino me pediu pra comprar um "ventinho" pra ele, porque era só R$1,10. O "ventinho" era um catavento com umas bolinhas doces dentro. Eu disse que ficaria pra próxima. E o menino ficou lá na porta da loja, olhando aqueles doces todos. E menos de 30 segundos depois, eu voltei, chamei o menino pra escolher o tal ventinho da cor que ele quisesse. Ele escolheu o vermelho, e ficou todo felizinho. "Tá bom? Quer mais alguma coisa?". Ele não quis. Agradeceu pelo ventinho e foi se juntar à mãe, que pedia trocados pra uma filha deficiente, numa cadeira de rodas.
Por muito tempo convivi com alguém que age assim sem precisar dos 30 segundos pra consciência pesar. Até porque ele não faz por peso na consciência. Faz porque é assim e pronto. Porque acha que dar parte do que tem é um jeito de agradecer, é um jeito de acertar as contas com a vida. Alguém que onde quer que esteja, vendo uma criança pela rua, dá um pacote de biscoito, uma pizza, um churrasquinho, um McLanche Feliz. E dá atenção, conversa pra saber o que aconteceu pra ela estar na rua. Alguém que desde que começou a trabalhar, abriu mão de comemorar o aniversário no dia em que nasceu, porque é o dia das crianças. Aí aproveita que é feriado, e vai passar o dia num setor de oncologia infantil qualquer. E volta pra casa cheio de desenhos em giz de cera, que são guardados ano a ano. A festa de aniversário fica pra qualquer dia de qualquer mês. Tão bonito, isso, e tão verdadeiro.
Hoje eu lembrei dele. Saindo com uma sacola cheia de doces pra um menino que já tem tanta coisa, como é que eu podia negar umas bolinhas de açúcar a um outro que com seus 7 ou 8 anos, estava numa calçada no comércio, num calor infernal, ao lado de uma mãe pedinte e uma irmã deficiente? Um pinguinho de doçura sempre faz bem, e sabe-se lá como é amarga a vida deles...

Eu sei que ele vai ler isso, e vai ficar sabendo que pode estar longe como for, mas o melhor dele permanece aqui.