sábado, 21 de fevereiro de 2009

Nativo

Ele tinha olhos tristes, que em nada combinavam com sua personalidade. Virou Nativo porque no interior nasceu e foi criado, brincando na rua, subindo em árvore pra pegar frutas, solto, que nem passarinho. Era carinhoso e moleque, mas de tão cativante, não levava bronca quando fazia arte. Sabido, aquele danadinho, que era prestativo, se animava com tudo e falava de um jeito tão engraçado... E no pior dia da minha vida, de repente desanimei e não fui ao show de Babado Novo na praia, dei a camisa pra alguém e fiquei em casa, lendo Harry Potter e o Cálice de Fogo, enquanto Faustão dizia um monte de besteiras na televisão. O telefone tocou e meu coração quase parou de bater quando eu soube do acontecido. Não me disseram como, nem onde, a notícia veio curta e direta, ele tinha ido embora. Desta vida. A ficha não caiu, mas o coração batia entre as orelhas, acelerado e sofrido. Que injustiça alguém nascer pra viver tão pouco. Treze anos. Não sei como seria seu futuro, viraria astronauta, veterinário, advogado, vendedor de carros, percussionista, jogador de futebol, dentista? Casaria ou seria um solteirão conquistador? Teria filhos? Ficaria careca? Barrigudo? Ninguém sabe. Ele foi embora e deixou só a saudade. É dolorido pensar nele, é horrível saber que ele nunca mais chegará com seus abraços grudentos, nem mandará bilhetinhos de carinho pela minha vó. Seis anos já se passaram, e de vez em quando me dá aflição por pensar que poderei esquecer como era sua voz, aí ele aparece em algum sonho e eu acordo mais tranquila. Perder alguém amado é machucar um pedaço do coração pra sempre. Mas não há nada a se fazer, além de torcer pra que realmente exista um lugar melhor que esse aqui. Quanto à saudade... é preciso aprender a conviver com ela.

Um comentário:

Anônimo disse...

emocionante e bem escrito, o texto